quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O EMBARGO DO PROGRESSO PELA DEMOCRACIA - Por Sumner Maine


               Suponhamos agora a competição dos partidos, incitados até ao mais alto ponto pelas invenções modernas do "Wirepuller" , (aparelho de arame para tirar sortes), de maneira a produzirem um sistema eleitoral onde cada adulto tenha voto e talvez também cada adulta. Admitamos que o novo maquinismo extraiu um voto a cada um daqueles eleitores. Qual é o resultado expresso? É que obteve a opinião média de uma grande multidão e que essa opinião média se tornou base e padrão de todo o governo e de toda a lei. Pouca experiência pode haver do rumo que tal sistema deve seguir, exceto aos olhos daqueles que creem que a história principiou desde o seu berço. O sufrágio universal dos homens brancos nos Estados Unidos conta cerca de cinquenta anos; o dos brancos e pretos só tem vinte. (Observação: este artigo, escrito por Maine é bem antigos, por isso as datas mencionadas) Os franceses abandonaram o sufrágio universal depois do regime do Terror; duas vezes reviveu a França, e a tirania napoleônica foi nele que se baseou; foi introduzido na Alemanha e confirmou o poder pessoal do Príncipe Bismarck, uma das singularidades da crença do vulgo é que um amplo sufrágio poderia fomentar o progresso, novas ideias, novas descobertas e invenções, novas artes da vida. Um tal sufrágio anda, em geral, associado com o Radicalismo; e não há dúvida que entre os seus mais certos efeitos, um deles seria a completa destruição das instituições vigentes, mas ha todas as probabilidades de que, com o correr do tempo, produziria uma forma perniciosa de conservantismo, beberragem social comparada com a qual o Edonia seria uma droga salutar. Para que fim, para que estado ideal, se recorre ao progresso de estampar na lei a opinião média de uma comunidade interna? O fim alcançado é idêntico ao da Igreja Católica Romana que atribui igual infalibilidade à opinião média do mundo cristão. "Quod semper, quod ubic, quod ab onmibu". era o cânon de Vicente Lérius. "Se curus pedicat orbis terrarum" foram as palavras que soaram aos ouvidos de Newman e produziram tão maravilhosos efeitos sobre ele. Mas alguém em sua consciência supõe que eram máximas de progresso? Os princípios de legislação a que visavam poriam  provavelmente termo a todas as atividades políticas e sociais, e embargariam tudo que se relacionasse com o Liberalismo. Basta um momento de reflexão para qualquer pessoa suficientemente culta se convencer que isto não é um asserto gratuito. Que cada um rememore no seu espírito as grandes épocas das invenções científicas e transformações sociais durante os últimos dois séculos e considere o que teria ocorrido se o sufrágio universal tivesse sido promulgado em qualquer deles. O sufrágio universal, que hoje exclui dos Estados Unidos a liberdade de comércio, teria certamente proibido os teares mecânicos e a vapor. Proibiria com certeza a debulhadora. Impediria a adoção do calendário gregoriano, e teria restaurado os Stuarts. Proscreveria os católicos romanos com a turba que queimou, em 1780, a casa de biblioteca do Lord Mnsfield, e proscreveria os dissidentes com a multidão que incendiou em 1791 a casa e biblioteca do Dr. Priestley. 
                 Há talvez muitas pessoas que, sem negar estas conclusões do passado, tacitamente admitem que tais erros não se cometerão no futuro, porque a sociedade já está demasiadamente ilustrada para os praticar, e ainda mais ilustrada se tornará com a educação popular.  Mas sem discutir as vantagens da educação popular sob certos aspectos a sua manifesta tendência é para difundir lugares comuns entre o povo, para os incorporar no seu espírito quando ele é mais facilmente impressionável, e estereotipar, por esta forma a opinião comum. É na verdade possível que o sufrágio universal não queira obrigar os governos à mesma legislação que infalivelmente teria ditado ha uns cem anos atrás; mas ignoramos necessariamente que germes de progresso social e material existem no seio do tempo, e até que ponto eles poderão lutar com o preconceito popular, que pelo tempo em diante se tornará onipotente. 
                Existem, de fato, provas bastantes para demonstrar que mesmo agora há um acentuado antagonismo entre a opinião democrática e a verdade científica no que diz respeito às sociedades humanas.  A base capital de toda a Economia Política foi constituída desde o princípio pela teoria da população. Esta teoria foi generalizada por Darwin e seus adeptos, e estabelecida como o princípio da sobrevivência do mais apto, veio a ser a base essencial de toda a ciência biológica. Evidentemente o primeiro desagradou à multidão e foi relegado para a sombra por aqueles a quem a multidão condescendia em obedecer. O princípio foi durante muito tempo extremamente impopular na França e no resto do continente europeu; e entre nós,  mesmo as medidas nele fundadas que foram propostas para acudir à miséria por meio da emigração, estão sendo visivelmente suplantadas por sistemas fundados na convicção de que, depois de várias experiências legislativas sobre a sociedade, um certo espaço de terra pode sempre sustentar e abrigar a população que coisas históricas levaram a fixar-se nele. 
                   Há talvez quem espere que esta oposição entre democracia e ciência, que certamente não promete muita longevidade  ao governo popular, possa ser neutralizada pela ascendência de chefes ilustrados. É possível que a doutrina não seja muito perigosa, visto aquele que se denomina amigo da democracia, por acreditar que ela estará sempre sob a sua sensata direção, é na realidade, quer o saiba quer não, um inimigo da democracia. 
               Mas em todo o caso os sintomas do nosso tempo não são de modo nenhum augúrio favorável para a futura direção das grandes multidões por estadistas mais atilados do que elas. As relações entre os chefes políticos e os seus partidários parece-me que estão sofrendo uma dupla transformação. Os chefes podem continuar a ser hábeis e eloquentes como até aqui, e alguns deles dispor dum "bom sortimento de lugares comuns e duma facilidade em os empregar, que não tem precedentes, mas estão escutando nervosamente num dos lados dum tubo acústico que recebe no outro lado as sugestões duma rasteira inteligência.  Por outro lado, os partidários, que são realmente os que mandam, tornam-se manifestamente impacientes com as hesitações dos seus dirigentes nominais e com as disputas dos seus representantes. Desejo muito conservar-me alheio às questões discutidas pelos dois grandes partidos ingleses, mas afigura-se-me que em toda a parte da Europa Continental e dalguma maneira nos estados Unidos, os debates parlamentares se estão tornando cada vez mais formais e perfunctórios e cada vez com mais tendência para serem peremptoriamente curtos, e as verdadeiras agencias da política cada vez se limitam mais a clubes e a associações, profundamente debaixo do nível da alta educação e experiência. Há um Estado ou grupo de Estados, cujas condições políticas merecem particular atenção. É a Suíça, um país, em que quem estuda política, pode sempre procurar com proveito as últimas formas e resultados da experiência democrática. 
                 Ha cerca de quarenta anos que Mr. Grote publicou os primeiros volumes da sua História da Grécia. Deu então a lume Sete cartas sobre política atual da Suíça explicando que o seu interesse pelos cantões suíços provinha de "uma certa analogia que encontrara nessa parte da Europa" com os antigos estudos gregos. Ora, se Grote, tomava mais a peito um determinado desígnio escrevendo a sua História, devia mostrar, com o exemplo da democracia ateniense, que os antigos governos populares, longe de merecerem censuras pela inconstância, se caracterizavam algumas vezes pela máxima tenacidade de dedicação, e ora seguiam os conselhos de um chefe atilado, como Péricles, a despeito de qualquer sofrimento, ora se deixavam conduzir por um dirigente insensato, como Nicias, até à beira da perdição. Teve, porém, bastante agudeza para discernir na Suíça as instituições democráticas particulares que eram próprias para tentar as democracias a dispensarem uma direção prudente e independente. Critica com desassombro uma disposição da constituição de Lucerna, em obediência à qual todas as leis promulgadas pelo conselho legislativo eram submetidas, para serem aprovadas, ao povo de todo o cantão. Esta disposição foi, na origem, uma invenção do partido ultra-católico para neutralizar as opiniões dos católicos liberais, obrigando-os a seguir o parecer de toda a população cantonal. Um ano depois de Mr. Grote ter publicado as suas Sete Cartas, deu-se a Revolução Francesa de 1848, e, três anos mais tarde, a violenta subversão das instituições democráticas estabelecidas pela Assembléia Nacional Francesa, era consagrada pelo mesmo método de votação que condenara, com o nome de Plebiscito.
                Os argumentos do partido liberal francês contra o plebiscito durante os vinte anos de despotismo cruel que pesou sobre a França, sempre os considerei como argumentos que, na realidade, só se elevavam contra o próprio princípio da democracia. Depois dos desastres de 1870, Bonapartes e plebiscito tudo se afundou envolto na mais profunda impopularidade; mas não há dúvida nenhuma que Gambetta, trabalhando para o escrutínio por listas, tentou ressuscitar, na medida possível, o sistema plebiscitário de votar.  Entretanto, esse sistema tornara-se, por várias formas, um dos mais característicos das instituições suíças. 
                  Um artigo da constituição federal determina que, quando cinquenta mil cidadãos suíços, com direito de voto, peçam a revisão da Constituição, a questão se esta deve ou não ser revista, será submetida à consulta do povo suíço para que este responda: "sim ou não". Outro estatue que, a requerimento de trinta mil cidadãos, todas as leis e decretos federais que não forem urgentes, fiquem sujeitos ao referendum, isto é, dependentes do voto popular. 
                Estas disposições, determinando que, quando um certo número de votantes reclamem uma medida particular, ou exijam ulterior sanção para uma data determinação, devam ser elas submetidas à votação do país inteiro, afigura-se-me ter um considerável futuro diante de si nas sociedades governadas democraticamente. Quando Mr. Labouchère disse na câmara dos comuns, que o povo estava cansado do dilúvio dos debates, e que este seria algum dia substituído pela consulta direta dos constituintes, tinha mais fatos a apoiar a sua opinião que talvez os seus ouvintes supusessem. 
                  Temos, pois, uma grande enfermidade inerente aos governos populares, uma enfermidade deduzida do princípio de Hobbes, que a liberdade e o poder cortado em pedaços. Os governos populares apenas podem funcionar por meio de processos que incidentalmente determinam a ulterior subdivisão em parcelas do poder político; e assim a tendência destes governos, ampliando as suas bases eleitorais, é de os adotar como modelo de legislação e política. Os males que se devem produzir são mais os vulgarmente associados a ultra conservantismo do que ao de ultra-radicalismo. Tão longe, na verdade, quanto vai a experiência humana, não há memória de sociedades políticas, que de qualquer forma se assemelhem com as que presentemente se chama democracias, que tenham concorrido com qualquer progresso para a humanidade. A história, disse Strauss - e, considerando o seu atual papel na vida, esta é talvez a última opinião que se poderia esperar dele - a História é um eco aristocrático. Podem haver oligarquias fechadas e coisas bastantes para abafar o pensamento tão completamente como um déspota oriental, que é ao mesmo tempo o político duma religião, mas o progresso do gênero humano tem-se efetuado até agora pela ascendência e decadência das aristocracias, pela formação de uma aristocracia dentro da outra. Há também pseudo democracias, que tem prestado serviços inestimáveis à civilização, mas essas democracias são apenas formas especiais da aristocracia.
                  A efêmera democracia ateniense, à sombra da qual a arte, a ciência e a filosofia se desenvolveram tão maravilhosamente, não era mais que uma aristocracia erguida sobre as ruínas da outra  muito mais fechada. O esplendor que atraiu o gênio original do mundo civilizado dessa época a Atenas, era sustentado pelo severo tributo de mil cidades vassalas; e eram escravos os hábeis artistas que trabalharam sob direção de Phidias e que construíram o Parthenon.

BIOGRAFIA DO AUTOR 
deste artigo 
Sir Henrique Jaime Sumner Maine, jurisconsulto e sociólogo inglês nasceu em Caversham Grave, proximo de Leighton, a 15 de agosto de 1822, e morreu em Cannes em 3 de fevereiro de 1888. Foi professor régio de direito civil em Cambridge, 1847 - 1854. Foi chamado ao foro em 1850; professor de jurisprudência e direito civil em Inns of Court (faculdade de direito), de 1852 a 1862; foi membro do Conselho de Calcutá de 1862 a 1868; regeu a cadeira de jurisprudência em Oxford de 1869 a 1878; foi lente em Trinity Hall e de direito internacional em Cambridge, e desempenhou muitos cargos de importância. Recebeu também numerosas distinções de diversas universidades e sociedades científicas. Entre as suas obras contam-se: Memoir of  H. F. Hallan, 1851; Ancient Law (direito antigo) 1861; Village  Comunities, 1871; The Earty History of the Property of Married Women (História  primitiva da propriedade das mulheres casadas), 1873; The effects of  Observation  of Índia on Modern Europeam Thaught (Efeitos da observação da Índia sobre o pensamento europeu moderno, 1875;  Lectures on the Earky History of Instituitions (Conferências sobre a história primitiva das instituições, 1875;  Dissertations on Early Law and Custom (Dissertação sobre o direito e o  costume primitivos), 1883; Popular Government (O Governo Popular), 1885; e The Whewell Lectures, 1888. 
Nicéas Romeo Zanchett 

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